No latin, a palavra que designa máscara é
persona, usada para definir as qualidades do ser representado. Tal é a origem da
palavra pessoa, como usamos atualmente. Com as máscaras, nos transformamos em
outra pessoa, adquirimos uma nova personalidade, apta a enfrentar qualquer
realidade. Não raro usamos máscaras invisíveis, quase imperceptíveis, que nos
ajudam a enfrentar as mais diversas situações. Entretanto não são sempre
imaginárias, as máscaras são também reais e palpáveis, desde as épocas mais
remotas da história da humanidade. Pode-se dizer que as máscaras representam uma
espécie de mediação entre os homens e o mundo invisível. São uma expressão da fé
na existência de entidades sobrenaturais. Pelo menos, assim é visto este objeto
em várias culturas.
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Pré-história
Usar uma máscara, portanto, significa deixar
de lado uma personalidade cotidiana para assumir as qualidades do ser que ela
representa. Esta descoberta deve-se ao homem primitivo e ficou gravada nas
paredes das cavernas da Idade da Pedra. O mais antigo registro do uso de máscara
que se tem notícia foi deixado nas paredes da caverna de
Lascaux, na França, mostrando caçadores mascarados com
cabeças de animais. Era uma forma de o homem adquirir as forças destes animais e
assim garantir o sucesso da caça.
Egito
Mesmo com a evolução do homem, as máscaras
continuaram presentes em praticamente todas as civilizações. Em algumas
culturas, sua provável origem está na pintura corporal feita em rituais
primitivos. Esta conotação mágico-religiosa apareceu no Egito, onde se faziam
máscaras para colocar no rosto dos mortos para auxiliá-los na arriscada passagem
para a vida eterna que eles acreditavam existir. Eram também usadas em situações
que exigiam mais que simples habilidades humanas, como para propiciar a cura de
doenças e evitar o perigo de acidentes.
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Grécia e Roma
O uso das máscaras nem sempre teve conotação
mágica, pelo contrário, esses objetos tiveram função protetora em algumas
civilizações, como a grega e a romana. Entre os anos de 700 e 675 a.C., o
exército grego era bem equipado com capacetes com máscaras protetoras. O
exército romano também os utilizava nas batalhas e ainda havia máscaras
especiais para desfiles. Durante 650 anos, em todo o Império Romano, os
gladiadores fizeram uso destes capacetes nos circos romanos para encenar com
feras para o público.
No Teatro
Na arte de representar, as máscaras foram
largamente aproveitadas. Os gregos foram os primeiros a usar máscaras no teatro.
Elas identificavam o personagem em cena, definindo inclusive seu caráter e
sentimentos. Tanto é que a palavra hipócrita vem do grego: hypokrités, que
significa ator, ou seja, a pessoa que tem várias faces por causa do uso
constante de máscaras. Algumas delas tinham características de deuses,
semi-deuses, reis e heróis das tragédias. Eram confeccionadas em barro, madeira,
cortiça e adornadas com pinturas e cabeleiras. No séc. V a.C., elas foram
aperfeiçoadas e sua execução passou a ser confiada a escultores. Não se buscava
apenas a aparência e a expressividade, mas também o recurso técnico de ampliar a
voz do ator, como se fosse um megafone, para que se pudesse fazer ouvir por todo
o anfiteatro. Isto era possível graças a uma abertura exagerada dos lábios da
máscara ou com a colocação de lâminas de metal no seu interior, próximo à boca.
Este mesmo tipo de máscara foi usado no teatro romano, que surgiu no séc III
a.C. por influência grega.
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Confecção
Na verdade, as máscaras demoraram para ser
introduzidas no teatro latino. A princípio, os atores pintavam o rosto quando
interpretavam papéis femininos. As primeiras máscaras romanas eram adornadas com
peruca provida de mola e orifícios no lugar dos olhos; usavam-se materiais
diversos, como casca de árvore, madeira, terracota, bronze e couro forrado com
pano. Seu tamanho era proporcional ao anfiteatro, para que pudessem ser vistas
por todos. Tanto na tragédia quanto na comédia ou na sátira, elas deveriam ser
inteligíveis ao público para que cumprissem sua função de representar. Ainda
assim, não era raro que durante as apresentações os atores as retirassem por
exigência da platéia, que queria conferir sua real expressão fisionômica.
Outras funções
Além de terem sido bastante usadas nas
encenações, muitos artistas as imortalizaram em esculturas e pinturas de vasos
de cerâmica usados na decoração. Tanto os gregos quanto os romanos usavam
máscaras em cerimônias religiosas, como nos enterros. Mais tarde, na China e
sudeste da Ásia, as máscaras de dragão foram usadas para afastar os maus
espíritos, bem como na Áustria e Suiça, onde máscaras com esta função tinham
aspecto bem grotesco. Passado muito tempo de uso de máscaras em diversas
civilizações, com os mais diferentes propósitos, a Idade Média marcou seu
desaparecimento quase por completo, conservando-se o uso apenas em festas
religiosas.
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O Renascimento de uma arte
Seu ressurgimento deu-se na Renascença,
quando voltou ao teatro com a redescoberta da comédia. Na Itália, os personagens
estereotipados da comédia latina transformaram-se em tipos nacionais e
provincianos da Commedia dell’Arte, surgida na Sicília, que arrasava as
aspirações mais nobres do homem de ascender a um mundo melhor. A comédia
mostrava assim a faceta ridícula de tudo o que era institucionalizado e
admirado, inclusive criticando os poderosos através da caricatura. Por isso as
máscaras da Commedia dell’Arte, ao contrário do teatro clássico, apesar de serem
muito intensas, não remetiam a uma expressão em particular, estavam sujeitas a
interpretações diversas. Fundamental então era o trabalho corporal do ator, como
se fosse um suplemento para a máscara, expressando o que ela por vezes não
podia.
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Personagens
Muitas destas máscaras eram feitas em couro
fino, costuradas na roupa branca, sendo as mais conhecidas as dos personagens
Pierrot, Colombina, Pulcinela e Arlequim. A Commedia dell’Arte inspirou o
carnaval de Veneza, na Itália, que incorporou as máscaras, agora cobrindo apenas
metade do rosto, deixando à mostra a expressão da boca. Algumas foram
simplificadas a uma singela faixa de veludo, em geral, negra. Estas máscaras
primavam pela delicadeza e eram inspiradas nos personagens da comédia. Em Veneza
e até em Florença, as máscaras passaram a ser peça de indumentária feminina,
como forte elemento de sedução. Até hoje a produção de máscaras em Veneza é
tradicional e lucrativa.
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As máscaras no Brasil
Estas máscaras de carnaval chegaram ao
Brasil no século XIX, encarregadas de expressar mitos, crítica social, ironia em
relação às dificuldades cotidianas, enfim, desejos do imaginário. Estas máscaras
de cunho artístico encontraram no Brasil outras de caráter ritualístico,
mágico-religio, introduzidas pelos cultos africanos. As máscaras da África não
traduziam a emoção do indivíduo; não era o retrato do homem que teme, que
combate, que morre, mas era, sim, o próprio temor, a guerra, a morte. As
máscaras usadas em rituais primavam pela intensa expressividade e serviam como
mediação entre a esfera sobrenatural e a natural. Estas só podiam ser produzidas
com autorização do chefe religioso por um escultor iniciado na magia e que antes
submetia-se a um rito de purificação. Nem todas as madeiras eram utilizadas em
razão das qualidades negativas atribuídas a determinadas plantas, nas quais
habitariam os espíritos malignos, o que comprometeria a eficácia da máscara.
Estas crenças chegaram ao Brasil através dos escravos e serviam para garantir a
adaptação do indivíduo à comunidade.
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As máscaras dos índios
Havia também as máscaras usadas pelos índios
nas cerimônias de iniciação, culto à fertilidade e outras manifestações
religiosas. Algumas representavam animais e forças da natureza, como raios,
chuvas e trovões. A confecção destas máscaras era de caráter coletivo. O
material usado, como cascas de árvores, resina e até madeira, eram considerados
sagrados.
O Folclore e o homem de
hoje
Atualmente o folclore em geral por vezes
resgata um pouco todas estas máscaras para caracterizar personagens e relembrar
a história de uma comunidade. O folclore brasileiro, movimentado e plástico,
utiliza as máscaras justamente para manter tradições; é uma espécie de memória
histórica, que garante ainda o exercício da fantasia. O teatro também tem
recriado as máscaras cada vez com mais freqüência. Para o homem de hoje, as
máscaras deixaram de ter um sentido puramente mágico para assumir uma função de
disfarce psicológico, possibilitando o anonimato, ou seja, é como se ele pudesse
esconder sua verdadeira face e adquirir total liberdade em um mundo tão
complexo.
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Máscaras no Teatro NÔ
Fotos: Reprodução Uma tradicional arte dramática janonesa, repleta de simbolismo e refinamento, que já tem mais de 600 anos, é o teatro NÔ. Resultante da combinação de canto, dança, declamação, instrumentos e indumentária, o NÔ é um espetáculo de máscaras por excelência. São basicamente três os tipos de máscaras, dos quais se originaram outros tantos: máscaras de divindades sobrenaturais, de anciãos e de mulheres. Seu apelo é primitivo, abrupto, forte e ao mesmo tempo sutil e lírico. Estas máscaras têm o poder de estabelecer contato entre homens e deuses. Na verdade, esta peça é bem mais que um figurino, é uma parceira do ator, que lhe confere forças ocultas, mágicas. Vestir a máscara é um ritual em si. O ator, já com a roupa do personagem, observa a máscara que logo será seu rosto. Quando a veste, o artista passa a ser o personagem, pois colocar a máscara significa injetar nela corpo e alma, com os quais ela passa a viver. Nestas máscaras, o ator tem a visão limitada por estreitas aberturas e só consegue ver o chão através das fossas nasais existentes no objeto, orientando-se espacialmente através dos pinheiros e pilares do palco. |
As mais
antigas, criadas em Muromati, eram verdadeiras obras-primas; esculpidas em
madeira, recebiam a pintura de rostos de jovens e mulheres de expressão neutra,
enriquecidas por recursos sutis. Um deles era a diferença entre os dois lados do
rosto_ quando o protagonista sofria um conflito, o público via a face direita
entristecida; assim que este era resolvido, a face esquerda, alegre, era
mostrada aos espectadores. Se o ator olhasse para baixo, os lábios da máscara
pareciam cerrados, indicando melancolia; olhando para cima, os lábios ficavam
entreabertos, apresentando um sorriso. Os olhos das máscaras femininas tinham
pupilas quadradas, dando ar de doçura. Enfim, são detalhes que propiciam a
gradação das expressões. O fabrico das máscaras requer grande habilidade e,
hoje, apesar de haver muitos aprendizes, há pouquíssimos escultores que produzem
para os grupos profissionais. Mesmo com tanta riqueza, a arte NÔ por pouco não
foi extinta, já que ela esteve por muito tempo associada ao xogunato. Grupos
isolados no Brasil ainda mantêm a tradição do Teatro Nô e suas
máscaras.
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